“20 DIREITO| NO JAPÃO TAMBÉM DURA LEX SED LEX
21 de março de 2013 · by Marilia Kubota ·
Por Eduardo Mesquita Pereira Alves
A primeira resistência ao estudar o Direito Japonês é a resistência decorrente da visão do Oriente como exótico e absolutamente distante de nossa realidade. No caso do Direito, não existe equívoco maior. O Japão tradicionalmente sempre se se baseou em legislação estrangeira para conformar seu próprio sistema jurídico. Foi assim quando sua fonte de inspiração era a China, do século VI ao século XIV, e foi assim quando no século XIX o país se viu obrigado a se modernizar e “ocidentalizar” suas instituições.
A primeira Constituição Japonesa tinha influências declaradamente prussianas. Com relação a legislação infraconstitucional, sua produção se iniciou com a tradução dos cinco códigos napoleônicos realizada por Mitsukuri Rinsho, que se encarregou não só de traduzir como também de criar neologismos que comportassem os complexos conceitos jurídicos europeus como direitos subjetivos, dever e etc.
Os primeiros Códigos aprovados foram o Penal e de Processo penal em 1880, entrando em vigor em 1882, com influência francesa, e revisados em 1907 passando a se inspirar no Código Penal Alemão. O Código Comercial, elaborado por Roesler, entrou em vigor em 1891, sendo reformado posteriormente em 1899 e 1911, o código de Processo Civil entrou em vigor em 1890 e o Código Civil em 1894. Relevante também a Lei Orgânica dos Tribunais de 1890 elaborado por Otto Rudorff, nos moldes da alemã de 1877, concretizando as promessas japonesas de um sistema de cinco códigos, organizando ainda o Judiciário por meio de lei orgânica, todos submetidos a uma Constituição.
A Influência Europeia permaneceu mesmo após a Ocupação Norte-Americana no pós Segunda Guerra Mundial. Apesar da elaboração da Constituição ter sido comandada pelos Estados Unidos da América, seu molde é Europeu, com muita influência do próprio pensamento jurídico japonês. Além disso, em que pese a tentativa de aproximar o sistema legal infraconstitucional do modelo common law, prevaleceu a tradição europeia, com a manutenção dos antigos códigos e do método de interpretação alemão das leis.
Nessa medida, a fonte de inspiração japonesa foi, assim como ocorreu no Brasil, os sistemas codificados Europeus, o que permanece até hoje. Assim, o sistema japonês é o mesmo civil law adotado em terras brasileiras, muito diferente do common lawutilizado nos Estados Unidos, Grã Bretanha e etc.
A verdade é que essa exotização do oriente acaba gerando um preconceito social e acadêmico em diversas áreas. No campo do Direito, o sistema americano é para o jurista brasileiro algo legitimamente exótico, com foco no costume e precedentes e não em legislação formalmente estabelecida.
Tudo aquilo que vemos em filmes e séries é uma realidade absolutamente distante da nossa. Mas ainda assim não se questiona (corretamente) em qualquer momento que um estudante ou profissional busque nos EUA pós-graduações, cursos, inspirações. Também pouco se questiona que como opção de política pública importemos legislação de países do common law.
No entanto, quando o estudioso cria interesse pelo Japão enfrenta profunda descrença por se tratar de um país culturalmente tão diferente, geograficamente tão distante, ainda que tenha lá um sistema semelhante e muito comparável. Claro que a descrença começa pois poucos sequer sabem que o civil law é adotado no Japão (e China e tantos outros países asiáticos), mas me pergunto, porque assumimos de forma automática que esses países teriam instituições tão diferentes das nossas?
No caso japonês se pode imaginar que muitos acreditem que seu Direito seja próximo do Americano por conta da ocupação. Mas por experiência própria digo que não, acredita-se que eles simplesmente adotam alguma sistemática peculiar e… exótica.
É natural que a cultura influencie a aplicação da lei, o nível de litigiosidade da população, a eficácia da legislação, mas todas essas ressalvas são aplicáveis a qualquer país quando se fala em direito comparado. Porque o Japão deveria ter diferenças mais acentuadas com relação ao Brasil quando tem fontes tão próximas das nossas?
Colhemos os frutos desse preconceito ao temer nos inspirar em instituições do país que são extremamente eficientes. Imitamos, especialmente no campo do Direito Administrativos, estruturas muito distantes de nosso sistema que exigem grande esforço de adaptação que por vezes é ignorado (afinal, os EUA são logo alí), resultando na criação de aparatos longe da eficiência esperada.
Por outro lado, temos o Japão, que tem mais experiência em adaptar estruturas distantes de seu sistema com sucesso, mas, se não buscamos aprender com suas lições primárias, é claro que estamos perdendo a muito tempo as lições de adaptabilidade ensinadas pelo país.
No caso da comparação com o Japão, haveria ainda a vantagem de manter sempre em mente junto à existência das semelhanças, a consciência de diferenças fundamentais, e, a partir da busca dessas diferenças apreendemos melhor nossa própria realidade jurídica.
Dentro da minha pesquisa em Direito Constitucional encontro alguns exemplos. Temos no Brasil e no Japão Constituições rígidas no que diz respeito ao processo de emenda, entretanto enquanto em 25 anos tivemos mais de 70 emendas, o Japão não deve nenhuma em 65 anos. Isso levanta uma série de discussões sobre a adoção de Constituições sintéticas ou analíticas, sobre as práticas políticas, sobre as posturas dos parlamentares diante da opinião popular.
O próprio papel das instituições ganha nova cor na comparação de sistemas semelhantes com aplicações culturalmente distintas. No Brasil o Poder Judiciário é protagonista na análise da compatibilidade das leis e constituição, no Japão o Judiciário é um poder de 3ª categoria que faz de tudo para não se pronunciar sobre inconstitucionalidade de leis sob o argumento de, com uma atuação temerária, usurpar a competência do poder legislativo.
São duas situações que demonstram que atuações que temos como normais e pouco questionáveis por aqui encontram resistência no Japão. No momento em que uma situação familiar passa a ser vista com estranhamento, estamos aptos a evoluir, e esse é o tipo de exercício teórico que a comparação com o Direito Japonês levanta incessantemente.
Enfim, me parece que, o Direito Japonês é um campo fértil para estudos no Brasil e plenamente compatível com nossa mentalidade jurídica. As diferenças culturais, colocadas a parte quando necessário, e levadas em consideração quando possível são, ao contrário do que muitos pensam, uma vantagem para o exercício comparado, e não uma barreira.
É inegável que o idioma geralmente representa o maior obstáculo para que seja realizado um estudo aprofundado do sistema legal japonês, mas antes mesmo das limitações de ordem técnica, falta um esforço por parte dos juristas e não juristas em aceitar que o Japão não é tão exótico quanto parece, e que pontos de exotismo muitas vezes nada mais são que oportunidades de aprendizado. Fica claro que nosso sistema pode ser melhorado pela experiência estrangeira, e que o Japão, por todo o sucesso e estabilidade de suas instituições deveria representar uma fonte muito mais central no Direito Comparado”.
Eduardo Mesquita Pereira Alves é advogado, graduado em Direito pela UFPR, sócio da Sunye, Pereira Alves e Oliveira Viana – Sociedade de Advogados, e estudou na Soka University, de abril de 2010 a fevereiro de 2011. É autor do blog Nihon Go! (http://eduardompa.wordpress.com/)”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Relações da ética com outras ciência: filosofia, moral, psicologia, sociologia, antropologia, história, economia, política, e o direito